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domingo, 30 de maio de 2010

Valhalla Rising

FILME BIZARRO

Desafio é entender o propósito dessa estória. O diretor é famoso, o filme é tecnicamente bom, mas o todo se parece com aquele grande pintor que um dia cola um sapato na tela e a pendura. Os comentários mais diversos surgem: "é uma afronta aos padrões sociais", "é lindo, de uma criatividade enorme", "é detestável", "é desafiador". Pode na verdade ser qualquer coisa...

A estória se passa no século XI, provavelmente, pois o filme começa mencionando o final da era viking. As montanhas com névoa lembram a Escandinávia. O guerreiro Um Olho carrega pinturas relacionadas a Oddin, e noutros tempos teria sido tratado como herói tribal, mas agora é um tipo de animal de rinha, para diversão e aposta dos chefes. Curioso usarem pinturas sagradas para isso! Entre os apostadores está um suposto cristão, que compra Um Olho. Enquanto o transferem de um local para outro, ele escapa e mata o grupo todo dos seus captores, colocando a cabeça do chefe viking como um monumento, sobre uma lança.

Um olho não fala, não tem expressão, só mata. O único indício de que ele realmente pensa são as premonições que ele tem quanto a si mesmo, seu plano de fuga e um estranho monumento que ele constrói. Em momento algum do filme há um sinal de felicidade, como se todos ali estivessem simplesmente tolerando seu sofrimento. Diversas vezes, dizem que Um Olho veio do inferno e que os leva para lá. Não dá para saber se isso é verdade: ele começa prisioneiro, depois se liberta e segue os outros, finalmente os outros passam a segui-lo. Porque? Talvez por não terem mais nada a seguir, e porque só ele não pára para lamentar nada.

Depois da fuga de Um Olho, o garoto que o acompanha vai se tornando um "profeta". No começo parece uma brincadeira com a mudez de Um Olho, depois ele parece acreditar no que diz. Os dois se unem a cruzados que vagam pelas montanhas destruindo as tribos vikings. Talvez Um Olho os odeie por isso, mas ele não mostra emoção mesmo... Tentando seguir para Jerusalém, todos os personagens tomam um barco que é envolto pelo nevoeiro e de alguma forma deriva nas correntes até a América do Norte. Em terra, o filme mostra como todos ali dependem das outras pessoas para viver. Um Olho dependia dos seus captores para querer fugir: sem eles, não vai para lugar algum. Os cruzados dependiam das tribos para atacar e conseguir mantimentos: agora passam fome e lutam entre si. Com excessão do garoto, que parece ter Um Olho como seu "oráculo", todos estão sem rumo e desesperados por um sentido para a vida. De sofrer em sofrer, um mata o outro (sem razão) até que poucos restem. Certa hora, um que havia se perdido do grupo reaparece, aparentando estar louco, todo pintado de terra e com desenhos na pele, para ser um outro profeta, que apenas desdenha dos líderes do bando.

Existe algo interessante nesse filme: apenas Um Olho e o menino-profeta são unidos. Cada qual dos cruzados tem seu próprio drama, sua própria ambição, como se pudesse fazer um tudo sozinho. Um quer riquezas, e repudia Deus quando vê que seu líder não vai conseguir nenhuma. O líder quer construir a SUA nova Jerusalém (ele se perdeu da original, mesmo), é esfaqueado pelo melhor amigo. Esse grande amigo, então, proclama que vai fazer a SUA nova Jerusalém. O profeta-louco seria seu consultor espiritual! Pelo menos o louco ri, nessa hora. Um Olho não quer nada, segue em frente.

Se olharmos para a passagem "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam" (Sl 23:4), esse filme bizarro traz uma reflexão. Sem a vara e o cajado de Deus, o Vale da sombra da morte pode enlouquecer e de fato matar as pessoas. Um Olho tinha fé? Provavelmente não, mas ele pelo menos acreditava nas visões estranhas que mostravam seu próprio futuro. Andava para qualquer lugar, apenas realizando essas visões. O garoto tinha fé? Tinha fé em Um Olho, sabe-se lá porque. Ele não tinha pai, nem qualquer outro para seguir. Por eliminação, Um Olho seria sua melhor opção mesmo. Os cruzados tinham fé? Com certeza esses supostos cristãos não tinham. Viviam de saquear e matar, iam para Jerusalém atrás de riqueza e terras. Algumas vezes seu líder orava, mas o que ele queria era uma Jerusalém para si mesmo. Queria poder! Sem o cajado de Deus, que eles em nenhum momento lembraram que existia, estavam sozinhos no Vale da sombra da morte. Andavam rodeados de índios skraelings (os vikings chamaram assim os perigosos guerreiros das Américas) que vez por outra flechavam alguém, mesmo assim nem ao menos se ajudavam. Cada um por si, desesperados, seguindo um indivíduo totalmente enigmático.

Final triste para um filme triste: Um Olho chega ao local de sua última visão, e morre como ele mesmo havia previsto. Só o garoto fica, talvez para protagonizar o filme Desbravadores, mais tarde. Vale a pena ver, para refletir, não para esperar um épico cheio de ação. Nem trilha sonora ou som ambiente o filme tem. Se alguém entender o porque disso, me conta.

curiosidade: apesar de todo o cenário natural do filme, um único animal aparece em toda a filmagem, por talvez 2 segundos.