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domingo, 1 de agosto de 2010

Quem escreveu o livro de Tiago não foi Tiago


Quem já teve a oportunidade/curiosidade de ler uma bíblia em inglês deve ter se surpreendido, como eu, ao encontrar no NT o livro de “James”. Que espécie de apóstolo desconhecido seria esse? Pelo texto, logo descobrimos que em português esse “James” é o equivalente de Tiago. Estranha tradução!

Algumas teorias da conspiração, por assim dizer, rondam essa diferença de nomes. Em uma delas, diz-se que o verdadeiro nome do autor dessa epístola é “Yahuhcaf ” (hebraico), que teria sido transformado em “James” para homenagear o rei James I da Inglaterra (1566–1625), quem financiou o trabalho de tradução da bíblia em 1611 (e Tiago com isso?). Da mesma forma, a prima da abençoada Mirian (Maria) teria virado “Elizabeth” para homenagear a realeza inglesa.

Precisamos voltar bastante no tempo para entender isso... O Livro de Tiago/James foi escrito por um judeu, e certamente não deviam haver judeus no século 1 que se chamassem “James”. O nome James em inglês vem do francés antigo Jácome (donde também veio Jaccques), que por sua vez vem do latim Iacomus ou Iacobus. Assim os romanos pronunciavam o nome grego Iakobos, traduzido do hebreu Yaʻaqov. A pronúncia do “J” que conhecemos vem do norte europeu e surgiu muitos séculos depois de Iacobus (com “a” tônico) ter sido transformado pelas línguas ibéricas em Iacob, Iago e finalmente Tiago ou até Diego.

Quando o precuror da Reforma Protestante John Wycliff traduziu o Novo Testamento pela primeira vez em inglês em 1384,  quase trezentos antes do rei James I, portanto, o livro de “James” já estava lá. O mesmo aconteceu com Elizabeth, que vem do grego Elisabet, e do hebreu Elisheva. Esse nome também já aparecia na bíblia antes de haver uma rainha Elizabeth. Na verdade, os reis James e Elizabeth foram assim nomeados por causa da bíblia, não o contrário.

Mas fica ainda a dúvida sobre QUEM foi esse Tiago/James/Yaʻaqov. Na verdade, o livro não deixa isso claro... O autor apenas se declara “Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo”. Isso devia ser suficiente! O livro todo é uma exposição de sabedoria inspirada pela fé, daí seu valor. Vários Tiagos são citados no NT, o que indica que esse nome era comum. Entre os que sabemos que acompanharam Jesus havia o Tiago irmão de Jesus (Gl 1:19), o Tiago filho de Alfeu (Mt, Lc, Mc, ver lista dos apóstolos) e o Tiago filho de Zebedeu (Mc 3:17). No entanto, o livro de Tiago não faz referências à vida de Jesus nem a costumes judeus, o que levou muitos estudiosos a pensar que seria um livro escrito posteriormente à pregação de Jesus, como foram as cartas de Paulo. Ao contrário de Paulo, que era altamente instruído e escrevia aos gentios, o livro de Tiago seria obra de um judeu comum, e portanto endereçado exclusivamente aos outros judeus.

“E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tg 2:15-16)


Referências

Bíblia online

Wikipedia - Epistle of James

Fórum CBB sem censuras - Congregação Cristã no Brasil


domingo, 27 de junho de 2010

Previsões da Copa do Mundo 2010


Vai aqui uma citação em homenagem para os colegas da Federal de São Carlos, pela boa iniciativa. Fiz uma brincadeirinha com o logo da Federal, para entrar na brincadeira também. Para quem não sabe ainda, o Depto de Estatística na Federal criou uma estimativa das probabilidades de resultados na Copa do Mundo de 2010, baseando-se em resultados de jogos anteriores (via Fifa), nas previsões de especialistas e nos resultados de cada jogo, atualizados sempre que há novos resultados. Segue no link abaixo:


http://www.copa2010.ufscar.br/index.html

Parabéns pelo trabalho!

domingo, 6 de junho de 2010

A maldição da figueira

Eu sempre fui curioso sobre uma certa passagem bíblica... Seguem suas 3 versões abaixo:

Mateus 21
18 E, de manhã, voltando para a cidade, teve fome;
19 E, avistando uma figueira perto do caminho, dirigiu-se a ela, e não achou nela senão folhas. E disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti! E a figueira secou imediatamente.
20 E os discípulos, vendo isto, maravilharam-se, dizendo: Como secou imediatamente a figueira?
21 Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até se a este monte disserdes: Ergue-te, e precipita-te no mar, assim será feito;
22 E, tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis.

Marcos 11
12 E, no dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome.
13 E, vendo de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se nela acharia alguma coisa; e, chegando a ela, não achou senão folhas, porque não era tempo de figos.
14 E Jesus, falando, disse à figueira: Nunca mais coma alguém fruto de ti. E os seus discípulos ouviram isto.
...
19 E, sendo já tarde, saiu para fora da cidade.
20 E eles, passando pela manhã, viram que a figueira se tinha secado desde as raízes.
21 E Pedro, lembrando-se, disse-lhe: Mestre, eis que a figueira, que tu amaldiçoaste, se secou.
22 E Jesus, respondendo, disse-lhes: Tende fé em Deus;
23 Porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito.

Lucas 13
6 E dizia esta parábola: Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando;
7 E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho. Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente?
8 E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque;
9 E, se der fruto, ficará e, se não, depois a mandarás cortar. 

Cronologicamente, as três passagens acontecem enquanto Jesus vai de Betânia e Jerusalém. É um caminho bem curto, de aprox. 6 Km. Qualquer pessoa faria esse trajeto em menos de 2h, por mais gente que houvesse junto. Assim, trata-se de algo que aconteceu rápido. Mateus e Marcos contam sobre um evento, enquanto Lucas fala sobre uma parábola. Muitos estudiosos acham que seria curioso Lucas não se importar com um milagre que os demais acharam tão significativo, mas não se pode negar que faz parte do estilo de Lucas dedicar-se mais aos ensinamentos de Jesus que aos fatos históricos. Talvez Lucas tenha escrito sua versão muito tempo depois, baseando-se no texto de Marcos (muitos estudiosos também creditam a Lucas o livro Atos dos Apóstolos), o que seria de fato o trabalho de um estudioso.

Quase todos os estudiosos dão a Marcos a marcação mais precisa dos fatos referentes à vida de Jesus. Sendo assim, temos realmente uma figueira amaldiçoada por não dar figos fora da estação de figos! Sempre me perguntei se Jesus não estaria tendo um mal-dia, quando secou a pobre planta. Para minha surpresa, porém, era costume dos judeus viajantes comerem das figueiras quando não era estação de figos... Como?!

A figueira produz pelo menos duas safras de figos, cada ano. A primeira safra vem no fim do inverno, antes de as folhas rebrotarem: são figos disformes, bem grandes mas de pouco sabor, que nascem abaixo da nova folha (os figos "verdadeiros" nascem acima da folha). Nos lugares mais frios, esses figos temporões de menor qualidade costumam ser destruídos pelo frio do final de inverno. Nos climas mais moderados, porém, eles crescem e até são colhidos. Em abril, quando Jesus ia para Jerusalém, era época dos figos temporões. Achei muita gente citando o nome árabe taqsh para esses figos, porém todos tiveram uma única fonte, que é o livro Hard sayings of the bible, Kaiser Jr WC et al, num trecho de Bruce FF.  Por isso, não posso assegurar nem que a palavra taqsh realmente não seja uma invenção desse Bruce FF. No vocabulário latino esses figos são chamados brebas ou brevas.

O figo brasileiro é uma planta baixa, sempre feminina. No Oriente Médio, porém, são árvores de médio porte masculinas (frutos não comestíveis) e femininas (frutos comestíveis). Fato é que Jesus estava procurando brebas para comer, enquanto passava ensinamentos a todos quanto o seguiam (o texto de Lucas deixa isso muito claro). Não achando brebas, isso significava que aquela figueira não daria figos naquele ano, que era estéril. Vírus, bactéria, falta de esterco... as causas podiam ser várias, mas Jesus tinha um ensinamento a passar, e pretendia impactar quem o seguia. Seu ensinamento, claro, não era sobre como secar árvores estéreis: Ele ensinava sobre como a fé podia sobrepujar todas as coisas.

Outros comentando essa passagem falam que Jesus revelava o que seria de Israel ao não dar-lhe frutos (crentes), ou mesmo como seria ele mesmo o ceifeiro para derrubar as pessoas de coração estéril. Pessoalmente, acho que isso pode ser exagero. Era hábito na sociedade agro-pastoril dos judeus derrubar as árvores estéreis: ninguém parece ter se compadecido da árvore, certamente não viram naquilo uma ameaça. Jesus também poderia dar um sinal maior à própria Jerusalém, para onde Ele seguia. Por isso, discordo que o impacto pretendido fosse por secar uma figueira (símbolo de Israel), mas simplesmente por fazer uma boa ação (sim, retirar árvores estéreis era visto como bom) apenas através da fé. Não foi isso que Jesus foi ensinar no Templo, em Jerusalém, ainda que aos pontapés?

Referências
Hard sayings of the bible, Kaiser Jr WC, Davids PH, Bruce FF, Brauch MT



sexta-feira, 4 de junho de 2010

Gengibre & atividade física

Gengibre 

O nome científico do gengibre é Zingiber officinale. Essa planta indiana chegou ao Brazil no século 17, trazida com propósitos de cultivo medicinal pela Companhia das Índias Ocidentais, junto com café, alho, cebola, manga e outras. As propriedades medicinais da planta estão fortemente ligadas a um composto aromático chamado [6]-gingerol, que atualmente é usado como marcador químico do gengibre, na indústria fitoterápica. O [6]-gingerol é um inibidor da enzima ciclooxigenase-2, uma enzima essencialmente ligada aos processos de inflamação e dor.

Ciclooxigenases

A maioria dos lipídeos na membrana celular tem função constitutiva, para formar uma barreira contra água e sais. Alguns lipídeos da membrana celular, no entanto, têm função sinalizadora. São lipídeos com mais de 20 carbonos que servem de substratos para enzimas específicas, como as fosfolipases e ciclooxigenases. Quando a membrana é danificada ou um componente de bactérias é reconhecido (ex. lipopolissacarídeos da parede celular bacteriana ou mesmo toxinas), a célula ativa um conjunto de fosfolipases (fosfolipase C - PLC e fosfolipase A2 - PLA2) e ciclooxigenases (COX-1 e COX2). Cada tecido tem suas enzimas especificas, mas algumas são muito comuns. Os compostos resultantes dessas reações são diversos como as enzimas:

prostaglandinaefeito
PGI2vasodilatador
PGE2broncocontrição, vasoconstrição, modulação da secreção gástrica, contração uterina, lipólise e início da coagulação, ativação dos receptores de dor, ativação imunológica, regulação térmica no hipotálamo
PGF2contração de músculos lisos
TXA2início da coagulação, vasoconstrição

No hipotálamo, a PGE2 (prostaglandina E2) liberada pelas células (ou produzida ali mesmo por efeito de hormônios do sistema imunológico ativado) aumenta a temperatura corporal, causando a febre. Na pele e nos músculos, a PGE2 ativa os receptores de dor.

Como o [6]-gingerol bloqueia a COX2, seu efeito mais comum acaba sendo aliviar a febre e reduzir a dor causada por lesões na pele e nos músculos. Como a célula secretando PGE2 atrai neutrófilos e macrófagos que viajam pelo sangue, o [6]-gingerol também acaba reduzindo a inflamação dos tecidos que acontece depois de lesões.

Essa figura ao lado mostra leucócitos (células amarelas) atravessando a parede dos vasos para chegar até as bactérias (topo da figura). Essa atração (quimiotaxia) ocorre em resposta a componentes das bactérias que eles reconhecem, anticorpos e também prostaglandinas secretadas pelo tecido ao redor das bactérias. No caso de lesões musculares, não há bactérias: as células danificadas secretam PGE2 e atraem leucócitos do sangue.

O TXA2, produzido pelas plaquetas ativadas (lembra? células diferentes = prostaglandinas diferentes) causa vasoconstrição e inicia a formação de coágulos, o que aparece em azul na parte baixa da figura.

Na idade média, o chá de folhas do salgueiro (Salix alba) era usado como analgésico. Essa planta produz o ác. salicílico, que também é um bloqueador de ciclooxigenases. Em 1928, o composto foi isolado e potencializado na forma de ác. acetil-salicílico, o analgésico/anti-inflamatório mais comercializado até hoje.

Porque estou falando de inflamação e dor?

Durante uma atividade física, nem todas as fibras musculares são usadas. Quanto mais fibras são requisitadas pelo sistema nervoso, maior a força desenvolvida. Mesmo não usadas, porém, as fibras precisam ser distendidas e, para isso acontecer, as fibras de actina e miosina no citoesqueleto delas precisam deslizar umas sobre as outras. Na contração, actina e miosina são unidas pelo Ca2+; na distensão elas precisam estar livres de Ca2+ para ficarem soltas e deslizarem uma sobre a outra.

Normalmente, a eliminação de Ca2+ da células muscular é rápida. Assim que ocorre entrada de Ca2+ devido à ativação da fibra muscular, as Ca2+ ATPases (também chamadas de bombas de cálcio) reconhecem o cálcio no citoplasma e começam a consumir ATP para bombear ele para dentro do retículo e para fora da célula. Para ocorrer relaxamento da fibra, é preciso que 100% do Ca2+ seja removido do citoplasma. Na prática isso não é difícil, pois as bombas de cálcio existem em alta quantidade, na célula muscular.


Mas o nome Ca2+ ATPase significa que essas bombas de cálcio consomem ATP. Na verdade elas consomem MUITO ATP e são responsáveis pela maior parte da termogênese muscular. Como são muito necessárias, a célula precisa gerar muito ATP para elas funcionarem. Se essa produção começa a falhar, o Ca2+ não é 100% removido e um pouco dele vai se acumulando dentro da célula. Havendo Ca2+, actina e miosina se ligam! Na figura acima, SARCOLEMMA é a membrana externa da célula muscular. O retículo endoplasmático (SR) é um quadrado no centro da figura.

Com a acumulação de Ca2+ dentro das células musculares, elas vão adquirindo uma contração permanente. Todo mundo que pratica atividade física percebe isso ao final, quando os músculos parecem mais rígidos. O problema está em distender uma célula muscular que não consegue desligar as fibras de actina e miosina, por falta de ATP... Quando a célula em contração permanente é forçada a distender (porque existe um músculo opositor do outro lado, puxando o osso), ela sofre lesão. Muitas vezes essa lesão pode ser grande o suficiente para romper muitas células musculares. Normalmente, ela apenas desliga algumas células das suas vizinhas, mas isso já é suficiente para ativar as fosfolipases e ciclooxigenases da célula.


Se a célula não foi rompida, a PGE2 bloqueia a secreção de acetilcolina pelos neurônios. Ou seja: o músculo fatigado deixa de responder ao sistema nervoso. Quem já tentou usar um músculo fatigado sabe do que estou falando... Se as células musculares foram rompidas, muito pior: as prostaglandinas produzidas por elas (especialmente PGE2) extravasam em quantidade. Os neurônios sensoriais nos músculos detectam a PGE2 rapidamente, criando a sensação de dor. A PGE2 atrai leucócitos, que em algumas horas inflamam o músculo e liberam mais PGE2, aumentando a sensação de dor. Nessa figura acima, repare no círculo no 1, onde você vai encontrar as prostaglandinas iniciando a sensação de dor, com o sinal nervoso viajando até o córtex somatosensorial, onde o cérebro interpreta o que chamamos de "dor". Por isso, o exercício forçado causa dor, mas várias horas após o exercício pode ainda ocorrer um grande aumento na dor muscular.

O gengibre parece feito para combater esse tipo de fadiga muscular: o [6]-gingerol bloqueia a produção de PGE2, impedindo a diminuição do fluxo sanguíneo e a inflamação. O gengibre ainda possui um outro componente, o [6]-shogaol, conhecido por sua ação analgésica e de-sensibilizadora dos canais de Ca2+ chamados TRPV1, específicos dos neurônios sensoriais de dor.  Mais especificamente, os canais TRPV1 são específicos das chamadas fibras C lentas (sem bainha de mielina), ativados pelos processos inflamatórios. Agindo sobre esse tipo de neurônios, o [6]-shogaol faz com que não sintamos dor mesmo se os músculos tiverem sido lesionados.

Assim, ele diminui a entrada de Ca2+ na célula muscular, evitando que a fadiga ocorra. A figura ao lado mostra a contração de células musculares quando são adicionados K+ 80 mM (que causa despolarização por impedir a saída de potássio K+ pelos canais abertos) ou fenilefrina (PE 1 uM), uma droga que imita com precisão o efeito da noradrenalina. As duas situações foram usadas para forçar a contração da célula muscular, junto com doses de extrato de gengigre (Zo.Cr) variando de 0 até 10 mg/mL. Repare que, com 0.5 mg/mL (isso é muuuuuuuito gengibre, metade do que existe de glicose no sangue), o potássio não funciona mais. Acima de 1 mg/mL de gengibre (sangue  = quentão circulante, nessa concentração), a fenilefrina não funciona mais, também.


Referências
  1. Dean W, A botanica e apolitica imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil, Estudos Históricos, Rio de Janeiro 4(8):216-228, 1991.
  2. http://en.wikipedia.org/wiki/Prostaglandin
  3. Jolad SD, Lantz RC, Solyom AM, Chen GJ, Bates RB, Timmermann BN, Fresh organically grown ginger (Zingiber officinale): composition and effects on LPS-induced PGE2 production, Phytochemistry 65:1937–1954, 2004.
  4. Young HY, Luo YL, Cheng HY, Hsieh WC, Liao JC, Peng WH, Analgesic and anti-inflammatory activities of [6]-gingerol, J Ethnopharmacology 96(1-2):207-210, 2005.
  5. http://en.wikipedia.org/wiki/Mechanism_of_action_of_aspirin
  6. Ghayur MN, Gilani AH, Ginger lowers blood pressure through blockade of voltage-dependent calcium channels, J Cardiovascular Pharmacology 45(1):74-80, 2005.
  7. Fortier MA, Krishnaswamy K, Danyod D, Boucher-Kovalik S, P. Chapdelaine PJA, J Physiol Pharmacol 59 Suppl 1:65-89, 2008.
  8. Black CD, Herring MP, Hurley DJ, O'Connor PJ, Ginger (Zingiber officinale) reduces muscle pain caused by eccentric exercise, J Pain, 2010 (artigo disponível online, ainda não impresso).
  9. http://en.wikipedia.org/wiki/TRPV1



quinta-feira, 3 de junho de 2010

Um homem sério

FILME ESTRANHO

Tem gente que chama isso de super-cult. Para mim é simplesmente estranho. O filme começa com uma cena de mistério à parte da estória, que não se resolve. Um fantasma que sangra ou um velho que não sente dor? Uma coisa é certa: a esposa é a única que faz algo. O marido aceita qualquer coisa, seja fantasma ou não.

O que fica claro é que se trata de um filme sobre a comunidade judaica, talvez um filme criticando ela. Para quem é de fora, isso não fica claro, mas vele a pena ver para conhecer como era essa comunidade em 1947. Para um judeu, talvez seja escandalizador. Depois da inexplicável cena do fantasma, o resto da estória vai por essa linha. Muita coisa não se explica, só se tenta aceitar. Tem gente que fala que o filme é baseado no Livro de Jó. Discordo: o Livro de Jó tem propósito bem claro, no filme isso é muito questionável. O que o chefe de Larry Gopnik quer dizer com a insinuações que faz? Ele vai do nada a lugar algum, ao longo do filme, parece que só para estragar a pouca felicidade de Larry a troco de nada.

Em termos técnicos, o filme é excelente. Fotografia, ambiente social, atores, tudo genial. O enredo é um mistério. Quem fica procurando um propósito, uma trama maior onde tudo se explique, talvez não encontre. Quase todos os personagens são propositadamente previsíveis, talvez seja essa a lógica do filme: somente Larry e o filho fazem alguma coisa por conta própria. Todos os demais personagens parece que receberam um script bem pequeno, com um parágrafo só, dizendo "Faça isso assim e assim, a toda hora, em qualquer ocasião". Os rabinos, que deveriam orientar a comunidade: um se dedica a olhar o estacionamento, outro conta casos estranhos, enquanto "o grande rabino" fica eternamente pensando e bate papos curtos com garotos que realizam o B'nai Mitzvá (lê-se Bar Mitzváh). O vizinho de Larry: sua ocupação é jogar a bola de beisebol para o filho e pegar ela quando ele joga de volta, o dia todo. Para descansar, ele caça veados. O cunhado de Larry: talvez ele sofra de esquizofrenia - seu papel é ficar no banheiro ou rabiscando um suposto código secreto num caderno. Para quebrar a monotonia, ele se envolve em todo tipo de reprovação moral, como espionagem (estamos em 1947!), bebidas, prostituição, etc e sempre é trazido de volta por policiais. A esposa de Larry: seu papel é praticar um tipo de "bullying" ridicularizador do marido. Nisso, ela é auxiliada por sua contraparte, um vizinho que faz as piores coisas, sempre é educado e fala com Larry como se fosse seu melhor amigo. Ele é o estereótipo descarado da diferença entre o fazer e o falar. O garoto fortão: seu papel é correr atrás do filho de Larry. Nunca pega, mas sempre corre atrás, talvez emagreça assim. A filha de Larry: seu papel é lavar o cabelo e se enfeitar para sair. A vizinha: seu papel é seduzir Larry e fumar maconha, só isso.

A estória que junta essa gente toda é o desmoronamento completo da vida de Larry: emprego, família, status social, dinheiro, daí talvez citarem o Livro de Jó. Mas pára aí a semelhança: nada se resolve na vida de Larry, o filme simplesmente acaba, depois que apresenta todos os personagens, com ele sonhando formas de resolver seus problemas. O filho vai ao Bar Mitzváh completamente fumado, recobra seu rádio do rabino, volta a ouvir música enquanto o professor de hebraico fala feito a célebre professora do Charlie Brown. Vem um furacão? Talvez, nem isso fica claro.

Enquanto Larry e o filho navegam pelos problemas da vida criados pelos outros personagens, nada mais acontece. Talvez seja uma crítica da comunidade judaica, talvez seja uma crítica de 1947 e seus óculos pretos, talvez seja mais um sapato na moldura.



domingo, 30 de maio de 2010

Valhalla Rising

FILME BIZARRO

Desafio é entender o propósito dessa estória. O diretor é famoso, o filme é tecnicamente bom, mas o todo se parece com aquele grande pintor que um dia cola um sapato na tela e a pendura. Os comentários mais diversos surgem: "é uma afronta aos padrões sociais", "é lindo, de uma criatividade enorme", "é detestável", "é desafiador". Pode na verdade ser qualquer coisa...

A estória se passa no século XI, provavelmente, pois o filme começa mencionando o final da era viking. As montanhas com névoa lembram a Escandinávia. O guerreiro Um Olho carrega pinturas relacionadas a Oddin, e noutros tempos teria sido tratado como herói tribal, mas agora é um tipo de animal de rinha, para diversão e aposta dos chefes. Curioso usarem pinturas sagradas para isso! Entre os apostadores está um suposto cristão, que compra Um Olho. Enquanto o transferem de um local para outro, ele escapa e mata o grupo todo dos seus captores, colocando a cabeça do chefe viking como um monumento, sobre uma lança.

Um olho não fala, não tem expressão, só mata. O único indício de que ele realmente pensa são as premonições que ele tem quanto a si mesmo, seu plano de fuga e um estranho monumento que ele constrói. Em momento algum do filme há um sinal de felicidade, como se todos ali estivessem simplesmente tolerando seu sofrimento. Diversas vezes, dizem que Um Olho veio do inferno e que os leva para lá. Não dá para saber se isso é verdade: ele começa prisioneiro, depois se liberta e segue os outros, finalmente os outros passam a segui-lo. Porque? Talvez por não terem mais nada a seguir, e porque só ele não pára para lamentar nada.

Depois da fuga de Um Olho, o garoto que o acompanha vai se tornando um "profeta". No começo parece uma brincadeira com a mudez de Um Olho, depois ele parece acreditar no que diz. Os dois se unem a cruzados que vagam pelas montanhas destruindo as tribos vikings. Talvez Um Olho os odeie por isso, mas ele não mostra emoção mesmo... Tentando seguir para Jerusalém, todos os personagens tomam um barco que é envolto pelo nevoeiro e de alguma forma deriva nas correntes até a América do Norte. Em terra, o filme mostra como todos ali dependem das outras pessoas para viver. Um Olho dependia dos seus captores para querer fugir: sem eles, não vai para lugar algum. Os cruzados dependiam das tribos para atacar e conseguir mantimentos: agora passam fome e lutam entre si. Com excessão do garoto, que parece ter Um Olho como seu "oráculo", todos estão sem rumo e desesperados por um sentido para a vida. De sofrer em sofrer, um mata o outro (sem razão) até que poucos restem. Certa hora, um que havia se perdido do grupo reaparece, aparentando estar louco, todo pintado de terra e com desenhos na pele, para ser um outro profeta, que apenas desdenha dos líderes do bando.

Existe algo interessante nesse filme: apenas Um Olho e o menino-profeta são unidos. Cada qual dos cruzados tem seu próprio drama, sua própria ambição, como se pudesse fazer um tudo sozinho. Um quer riquezas, e repudia Deus quando vê que seu líder não vai conseguir nenhuma. O líder quer construir a SUA nova Jerusalém (ele se perdeu da original, mesmo), é esfaqueado pelo melhor amigo. Esse grande amigo, então, proclama que vai fazer a SUA nova Jerusalém. O profeta-louco seria seu consultor espiritual! Pelo menos o louco ri, nessa hora. Um Olho não quer nada, segue em frente.

Se olharmos para a passagem "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam" (Sl 23:4), esse filme bizarro traz uma reflexão. Sem a vara e o cajado de Deus, o Vale da sombra da morte pode enlouquecer e de fato matar as pessoas. Um Olho tinha fé? Provavelmente não, mas ele pelo menos acreditava nas visões estranhas que mostravam seu próprio futuro. Andava para qualquer lugar, apenas realizando essas visões. O garoto tinha fé? Tinha fé em Um Olho, sabe-se lá porque. Ele não tinha pai, nem qualquer outro para seguir. Por eliminação, Um Olho seria sua melhor opção mesmo. Os cruzados tinham fé? Com certeza esses supostos cristãos não tinham. Viviam de saquear e matar, iam para Jerusalém atrás de riqueza e terras. Algumas vezes seu líder orava, mas o que ele queria era uma Jerusalém para si mesmo. Queria poder! Sem o cajado de Deus, que eles em nenhum momento lembraram que existia, estavam sozinhos no Vale da sombra da morte. Andavam rodeados de índios skraelings (os vikings chamaram assim os perigosos guerreiros das Américas) que vez por outra flechavam alguém, mesmo assim nem ao menos se ajudavam. Cada um por si, desesperados, seguindo um indivíduo totalmente enigmático.

Final triste para um filme triste: Um Olho chega ao local de sua última visão, e morre como ele mesmo havia previsto. Só o garoto fica, talvez para protagonizar o filme Desbravadores, mais tarde. Vale a pena ver, para refletir, não para esperar um épico cheio de ação. Nem trilha sonora ou som ambiente o filme tem. Se alguém entender o porque disso, me conta.

curiosidade: apesar de todo o cenário natural do filme, um único animal aparece em toda a filmagem, por talvez 2 segundos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Obesidade e Trauma psicológico

a importância do Locus ceruleus

Para começar, essa é uma área de fronteira na neurociência, ou seja, muito do que se sabe é incerto ou recente demais. O ponto de encontro dos problemas é conhecido: o Locus ceruleus (LC). Trata-se de uma região no dorso do tronco cerebral composta por duas metades, com 25000 neurônios produtores de noradrenalina. Os neurônios do LC se ramificam por todo o cérebro, em espacial o hipocampo e amídala (órgãos de memória) e regulam 70-90% da atividade no córtex cerebral. Essa região controla ainda a produção de hormônios, pois tem muitas conexões com o hipotálamo, onde está a hipófise ou glândula-mestra.

O estresse aumenta a atividade dos neurônios no LC, resultando em maior atividade no córtex, maior fixação de memórias (especialmente as traumáticas), menor atividade sexual, menor atividade imunológica e perda de apetite. Claro, a intensidade desses efeitos varia bastante de acordo com os nutrientes e hormônios que o hipotálamo detecta no sangue de cada organismo. A ligação entre a amídala, o hipocampo e o LC geralmente é o principal alvo do estresse: tais conexões se fortalecem  e as memórias traumáticas (situações de perigo para o organismo) passam a influenciar cada vez mais o LC, aumentando sua atividade a ponto de que eventos de pouca importância podem se ter atuação nefasta sobre parâmetros hormonais e concretizarem anomalias em todo o organismo. Nos pacientes de trauma, essa situação é descrita como freqüentes ocorrências de super-atividade do LC. As causas dessa ativação dificilmente têm a ver com perigos reais.



O LC é regulado por neurônios serotonérgicos do tronco cerebral relacionados ao ciclo dia/noite (não mostrados no esquema), pelo hipotálamo, por memórias (os neurônios dos centros de memória são produtores de glutamato) e por uma auto-regulação onde o próprio LC inibe sua atividade. No trauma psicológico, tanto a estimulação pelos centros de memória aumentam como a auto-regulação é perdida. Estudos feitos com veteranos de guerra mostraram, por exemplo, que 30% dos neurônios no LC haviam sido perdidos. Essa morte de neurônios faz com que os restantes aumentem sua resposta aos centro de memória e ao hipotálamo. Em outras palavras, ao invés de um aumento graduado do estresse em resposta ao ambiente, como seria normal, o LC de pacientes traumáticos mostra uma atividade abaixo do normal na maioria das situações e um aumento súbito de atividade em resposta a certas "situações-gatilho".

Os efeitos da má-regulação no LC são percebidos pela oscilação do seu poder analgésico e seus efeitos sobre o sist. nervoso autônomo (simpático + parassimpático), que controlam o funcionamento de órgãos, glândulas e músculos lisos. O aumento súbito de atividade no LC assim causa aumento da freq. cardio-respiratória (coordenada pelo núcleo parabraquial, no tronco cerebral), ativação súbita da sudorese (ativada por nervos simpáticos sob a pele), aumento de pressão arterial (maior freq. cardíaca + contração das artérias por efeito de nervos simpáticos ao longo dos vasos), paralização dos movimentos intestinais (diminuição da atividade no nervo vago, que se origina no núcleo parabraquial) e mesmo paralisia muscular (ação da noradrenalina em núcleos cerebrais ligados ao movimento) e amnésia (ação inibitória de altas doses de Nor nos centros de memória). Num outro extremo estão os efeitos da perda de atividade do LC em todas as situações que não são situações-gatilho: apatia (falta de Nor no córtex cerebral), déficit de desempenho e menor catabolismo de gorduras. Eis onde caminhamos para a obesidade...

Ao que parece, a desregulação no LC já é suficiente para perturbar o controle da ingestão alimentar, que ocorre no hipotálamo. Esse conjunto de neurônios é altamente sensível a todos os componentes do plasma sanguíneo, de nutrientes a sais e hormônios. Teoricamente, um aumento na concentração plasmática de lipídeos e glicose, combinada com alguns hormônios secretados em resposta à alimentação, como a insulina, seriam capazes de criar no hipotálamo a sensação de saciedade. Se esse mecanismo falha, ingerimos mais do que as nossas necessidade energéticas. Como a baixa quantidade de noradrenalina produzida pelo LC inibe o apetite como deveria, a maioria dos pacientes traumáticos apresenta maior consumo de calorias. O destino para esse excesso é bem conhecido: ser consumido na produção de calor pelo organismo ou ser armazenado em depósitos de gordura. A primeira opção é altamente regulada pelo sistema simpático, sob influência do LC.

O sistema simpático não se origina do LC mas sim dos núcleos laterais, que recebem informações do hipotálamo, de neurônios sensoriais próprios e também do LC. A função desses núcleos é re-adaptar o funcionamento de órgãos e glândulas a cada modificação da composição do sangue, como jejum, alimentação, exercício, frio/calor, posição deitada/sentada/em pé, etc. Os núcleos laterais são independentes entre sim, mas co-relacionados. Entre as funções do sistema simpático também está ativar a produção de calor nos músculos esqueléticos e no fígado, funções que são aumentadas pela atividade no LC e, no caso dos pacientes traumáticos, permanece diminuída a maior parte do tempo. Somando-se maior ingestão calórica e menor gasto de energia no aquecimento do corpo, chegamos à obesidade. Os índios Pima, que vivem na fronteira entre o México e os EUA, são notórios por sua baixa atividade simpática e elevada facilidade para estocar gorduras. No lado americano da fronteira, os Pima têm hoje uma incidência assustadora de doenças relacionadas à obesidade.


Pima: Originários do extremo norte, os Pima se fixaram na fronteira entre o México e os EUA. No lado mexicano da fronteira, 8% dos Pima têm diabetes tipo 2. Esse valor é normal, se tomamos uma população branca qualquer. No lado americano, 50% dos Pima são diabéticos.

A pergunta que fica é: como reverter isso? Boa parte dos pacientes traumáticos tem distúrbios também na produção de serotonina, um neurotransmissor associado à estabilidade de humor, ao ciclo sono/vigília e também um dos principais ativadores do LC. Isso significa noites mal-dormidas, humor instável e... baixa atividade do LC. Uma das fronteiras da indútria farmacêutica é o desenvolvimento de antidepressivos (sim, eles regulam a produção de serotonina) capazes de re-estabelecer o funcionamento adequando do LC. Não se sabe, contudo, se a perda de neurônios nessa região é um fenômeno agudo ou leva muitos anos para acontecer. Na 2a hipótese, seria possível preservar o LC com uso de fármacos, alteração no estila de vida (a produção de serotonina é especialmente sensível a ciclos bem definidos de atividade/repouso), etc.

Referências
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