Pesquisar este blog

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Obesidade e Trauma psicológico

a importância do Locus ceruleus

Para começar, essa é uma área de fronteira na neurociência, ou seja, muito do que se sabe é incerto ou recente demais. O ponto de encontro dos problemas é conhecido: o Locus ceruleus (LC). Trata-se de uma região no dorso do tronco cerebral composta por duas metades, com 25000 neurônios produtores de noradrenalina. Os neurônios do LC se ramificam por todo o cérebro, em espacial o hipocampo e amídala (órgãos de memória) e regulam 70-90% da atividade no córtex cerebral. Essa região controla ainda a produção de hormônios, pois tem muitas conexões com o hipotálamo, onde está a hipófise ou glândula-mestra.

O estresse aumenta a atividade dos neurônios no LC, resultando em maior atividade no córtex, maior fixação de memórias (especialmente as traumáticas), menor atividade sexual, menor atividade imunológica e perda de apetite. Claro, a intensidade desses efeitos varia bastante de acordo com os nutrientes e hormônios que o hipotálamo detecta no sangue de cada organismo. A ligação entre a amídala, o hipocampo e o LC geralmente é o principal alvo do estresse: tais conexões se fortalecem  e as memórias traumáticas (situações de perigo para o organismo) passam a influenciar cada vez mais o LC, aumentando sua atividade a ponto de que eventos de pouca importância podem se ter atuação nefasta sobre parâmetros hormonais e concretizarem anomalias em todo o organismo. Nos pacientes de trauma, essa situação é descrita como freqüentes ocorrências de super-atividade do LC. As causas dessa ativação dificilmente têm a ver com perigos reais.



O LC é regulado por neurônios serotonérgicos do tronco cerebral relacionados ao ciclo dia/noite (não mostrados no esquema), pelo hipotálamo, por memórias (os neurônios dos centros de memória são produtores de glutamato) e por uma auto-regulação onde o próprio LC inibe sua atividade. No trauma psicológico, tanto a estimulação pelos centros de memória aumentam como a auto-regulação é perdida. Estudos feitos com veteranos de guerra mostraram, por exemplo, que 30% dos neurônios no LC haviam sido perdidos. Essa morte de neurônios faz com que os restantes aumentem sua resposta aos centro de memória e ao hipotálamo. Em outras palavras, ao invés de um aumento graduado do estresse em resposta ao ambiente, como seria normal, o LC de pacientes traumáticos mostra uma atividade abaixo do normal na maioria das situações e um aumento súbito de atividade em resposta a certas "situações-gatilho".

Os efeitos da má-regulação no LC são percebidos pela oscilação do seu poder analgésico e seus efeitos sobre o sist. nervoso autônomo (simpático + parassimpático), que controlam o funcionamento de órgãos, glândulas e músculos lisos. O aumento súbito de atividade no LC assim causa aumento da freq. cardio-respiratória (coordenada pelo núcleo parabraquial, no tronco cerebral), ativação súbita da sudorese (ativada por nervos simpáticos sob a pele), aumento de pressão arterial (maior freq. cardíaca + contração das artérias por efeito de nervos simpáticos ao longo dos vasos), paralização dos movimentos intestinais (diminuição da atividade no nervo vago, que se origina no núcleo parabraquial) e mesmo paralisia muscular (ação da noradrenalina em núcleos cerebrais ligados ao movimento) e amnésia (ação inibitória de altas doses de Nor nos centros de memória). Num outro extremo estão os efeitos da perda de atividade do LC em todas as situações que não são situações-gatilho: apatia (falta de Nor no córtex cerebral), déficit de desempenho e menor catabolismo de gorduras. Eis onde caminhamos para a obesidade...

Ao que parece, a desregulação no LC já é suficiente para perturbar o controle da ingestão alimentar, que ocorre no hipotálamo. Esse conjunto de neurônios é altamente sensível a todos os componentes do plasma sanguíneo, de nutrientes a sais e hormônios. Teoricamente, um aumento na concentração plasmática de lipídeos e glicose, combinada com alguns hormônios secretados em resposta à alimentação, como a insulina, seriam capazes de criar no hipotálamo a sensação de saciedade. Se esse mecanismo falha, ingerimos mais do que as nossas necessidade energéticas. Como a baixa quantidade de noradrenalina produzida pelo LC inibe o apetite como deveria, a maioria dos pacientes traumáticos apresenta maior consumo de calorias. O destino para esse excesso é bem conhecido: ser consumido na produção de calor pelo organismo ou ser armazenado em depósitos de gordura. A primeira opção é altamente regulada pelo sistema simpático, sob influência do LC.

O sistema simpático não se origina do LC mas sim dos núcleos laterais, que recebem informações do hipotálamo, de neurônios sensoriais próprios e também do LC. A função desses núcleos é re-adaptar o funcionamento de órgãos e glândulas a cada modificação da composição do sangue, como jejum, alimentação, exercício, frio/calor, posição deitada/sentada/em pé, etc. Os núcleos laterais são independentes entre sim, mas co-relacionados. Entre as funções do sistema simpático também está ativar a produção de calor nos músculos esqueléticos e no fígado, funções que são aumentadas pela atividade no LC e, no caso dos pacientes traumáticos, permanece diminuída a maior parte do tempo. Somando-se maior ingestão calórica e menor gasto de energia no aquecimento do corpo, chegamos à obesidade. Os índios Pima, que vivem na fronteira entre o México e os EUA, são notórios por sua baixa atividade simpática e elevada facilidade para estocar gorduras. No lado americano da fronteira, os Pima têm hoje uma incidência assustadora de doenças relacionadas à obesidade.


Pima: Originários do extremo norte, os Pima se fixaram na fronteira entre o México e os EUA. No lado mexicano da fronteira, 8% dos Pima têm diabetes tipo 2. Esse valor é normal, se tomamos uma população branca qualquer. No lado americano, 50% dos Pima são diabéticos.

A pergunta que fica é: como reverter isso? Boa parte dos pacientes traumáticos tem distúrbios também na produção de serotonina, um neurotransmissor associado à estabilidade de humor, ao ciclo sono/vigília e também um dos principais ativadores do LC. Isso significa noites mal-dormidas, humor instável e... baixa atividade do LC. Uma das fronteiras da indútria farmacêutica é o desenvolvimento de antidepressivos (sim, eles regulam a produção de serotonina) capazes de re-estabelecer o funcionamento adequando do LC. Não se sabe, contudo, se a perda de neurônios nessa região é um fenômeno agudo ou leva muitos anos para acontecer. Na 2a hipótese, seria possível preservar o LC com uso de fármacos, alteração no estila de vida (a produção de serotonina é especialmente sensível a ciclos bem definidos de atividade/repouso), etc.

Referências
  1. Aston-Jones G, Cohen JD, An integrative theory of locus coeruleus-norepinephrine function: adaptive gain and optimal performance, Ann Rev Neurosci 28:403–50, 2005.
  2. Bracha HS, Macy C, Lenze SM, Shelton JM, Tsang-Mui-Chung M, The Locus Ceruleus in PTSD, Cogprints UK 2009.
  3. Bracha HS, Garcia-Rill E, Mrak RE, Skinner R, Postmortem locus coeruleus neuron count in three American veterans with probable or possible war-related PTSD, J Neuropsych Clin Neurosci 17(4):503–509, 2005.
  4. Bracha S, Anxiety and posttraumatic stress disorder in the context of human brain evolution: a role for theory in DSM-V?, Clin Psychol Sci Prac 15(1):91-97, 2008.
  5. Canavero S, Bonicalz V, Letter to the editor, Pain 107:27-27, 2004.
  6. Campbell BM, The science of panic, Ansiety Community, 22-out post, stanford.wellsphere.com.
  7. Pertovaara A, Noradrenergic pain modulation, Prog Neurobiol 80:53–58, 2006.
  8. Ravussin E, Tataranni PA, The role of altered sympathetic nervous system activity in the pathogenesis of obesity, Proc Nutrit Soc 55:793-802, 1996.
  9. Troisi RJ, Weiss ST, Parker DR, Sparrow D, Young JB, Landsberg L, Relation of obesity and diet to sympathetic nervous system activity, Hypertension 17:669-677, 1991.









Nenhum comentário:

Postar um comentário